sexta-feira, outubro 31, 2014

Para o sermão de Domingo e porque hoje é dia da Reforma!
Estou convicto que há um equívoco grave a acontecer no contexto evangélico. Quando os evangélicos desvalorizam a ligação à Igreja em termos pessoais e em termos históricos, aceitam para si uma catolicidade coxa. Uma universalidade manca. Nenhuma igreja evangélica se pode orgulhar de, por causa da Reforma, poder fazer aquilo que lhe dá na gana. Porque desvalorizar a ligação à Igreja de todos os tempos é desvalorizar o valor da salvação de Cristo. Cristo salva pessoas desde que o mundo é mundo. E os evangélicos não podem aceitar um salto prático do primeiro ou segundo século para o século XVI. Celebrar a Reforma não é celebrar os Reformadores como os genuínos seguidores dos apóstolos. Celebrar a Reforma passa por, correctamente!, celebrar os Reformadores como esclarecedores providenciais da fé dos apóstolos. A fé de um evangélico é necessariamente católica. A mais católica de todas porque se centra em Cristo, o único que é capaz de salvar qualquer tipo de pessoa em qualquer tempo e em qualquer lugar. Ser reformado é defender a melhor catolicidade. Aquela que por ser fiel à revelação divina na Bíblia se coloca na posição de defender melhor o que Cristo deixou à igreja. O catolicismo confia na tradição da igreja para determinar a voz a Cristo na Palavra. A catolicidade confia que só o Cristo revelado na Palavra pode orientar a tradição da igreja. Somos católicos por causa da Cristo. É completamente diferente de acreditarmos em Cristo porque somos católicos. A Reforma fez-se para colocar estes pontos nos is.
Do mesmo modo como hoje tudo o que é antigo adquiriu um charme súbito, estou convicto que o catolicismo romano vai atrair cada vez mais evangélicos que não compreendam a sua alegada fé reformada. Do mesmo modo como hoje a moda manda homens de trinta anos albergarem barbas iguais aos seus tetravôs, o catolicismo romano ganha uma aura de cool pelo cheiro a antigo. Isto já começa a ser visível em muita juventude protestante, seduzida por práticas arcaicas porque, naturalmente!, se fartarm das igrejas com serviços de culto ocos dirigidos a powerpoints pirosos. A lectio divina parece fazer o que a batida reunião de oração espontânea não consegue. Mas temos de ver bem. O que se perde quando se perde a Reforma Protestante é aquilo que ela bem defendeu. A centralidade de Cristo. Deixem-me colocar as coisas de uma forma radical: se ainda não percebeste o que é a justificação pela fé, não és um evangélico. És apenas alguém que se tenta salvar a si mesmo de uma maneira romana dentro de uma igreja reformada.


A minha inesperada paixão por Paris
Não gosto de gostar de França mas Paris sabotou esta inclinação. Estive em Paris de Segunda-Feira a ontem, Quinta. Paris é uma cidade monumental. Foi feita num tempo (que levou muitos tempos) em que deixar-se encantar com a grandeza ainda não era um crime. Nesse sentido, e garantindo o meu apreço pela democracia, devo reconhecer que um sistema democrático dificilmente faz justiça a uma cidade imperial. Uma cidade imperial converge para um símbolo maior de majestade que a democracia não consegue oferecer. Não há realeza na maioria. Quando passeamos por Paris conseguimos imaginar a emoção de um desfile real e desejar ter lá estado. O triste progresso da extrema-direita em lugares como a França vem de uma saudade espicaçada pela monumentalidade das edificações parisienses que as urnas nunca conseguirão honrar no coração dos franceses. Não é só uma questão de clareza ideológica, é também uma questão de nutrição emocional de um povo.
Creio também que Paris transmite um qualidade urbana para a qual seremos chamados na Sião celeste. A Cidade das Luzes ensina-nos sobre a Cidade Eterna. Essa qualidade passa por apresentar a cidade como um lugar, que apesar de planeado pelo homem, consegue fazê-lo sentir-se pequeno. Paris dá-nos isto. O modo como foi edificada, nas suas praças e vias larguíssimas, põe o homem como participante (homens contruíram Paris) mas também como peregrino (homens construíram Paris para que outros homens dissessem: "nunca vi nada assim. Este lugar é novo para mim!").
Depois de visitar Paris é fácil compreender a vaidade francesa. Com uma cidade como Paris é absurdo brincarmos aos franciscanos. Ao mesmo tempo é fácil compreender o refrão da Amália ao cantar "Lisboa, não sejas francesa". Lisboa imita Paris no espaço que consegue. Não faz mal mas é preciso não exagerar. Lisboa será sempre maravilhosa por ser Lisboa, não tanto por querer ser Paris.
O meu companheiro Rui Ribeiro, que esteve comigo nestes dias na conferência City To City promovida pela Igreja Presbiteriana Redeemer do Pastor Tim Keller, foi perfeitamente predestinado para esta peregrinação. Imediatamente credenciou o seu passado de escuteiro e jogador de futebol americano para estabelecer: só não fazemos as distâncias a pé se a chuva ou o nosso corpo não permitirem. E eu pensei: perfeito!
Fomos parar a um hotel manhoso de duas estrelas, perto (percebemos depois) da Rua Pigalle. O quarto no terceiro andar era invadido pela luz neón do letreiro bem como pelo ruído do metro que aparecia à superfície bem à altura da nossa janela. Estávamos em Paris mas sentíamo-nos no Bronx. A coisa boa era que, decidindo nós evitar o infernal metro de Paris à hora de ponta, percorríamos o caminho de uma hora a pé até à Igreja Americana, onde era a conferência. Nesse percurso pedestre tínhamos um percurso teológico: vínhamos das ruas sinistras da Pigalle e do Moulin Rouge para a luz crescente e imponente do centro parisiense. A Madeleine (céus, a Madeleine!), o obelisco, a Praça da Concórdia, os Campos Elíseos, o Sena!
Numa manhã acabada de nascer apercebemo-nos da imponência de Paris. A magnitude da cidade é tal que até as condições atmosféricas têm dificuldade em fazer-lhe justiça. Neste caso, o nevoeiro tapara dois terços da Torre Eiffel. Quase que conseguíamos ouvir o clima a dizer à neblina: "Despacha-te a destapar a Torre que ainda não estamos a mostrar toda a cidade às pessoas que nela estão!" Paris convenceu-me. O que será do velho Tiago?


quarta-feira, outubro 22, 2014

O misterioso nadador da madrugada
Ontem consegui finalmente falar com o estranho homem que já tinha avistado uma meia dúzia de vezes a ir ao mar antes de mim. É preciso ter em conta que isto significa chegar à praia às sete da manhã ou antes ainda, no princípio do Outono, antes da hora mudar, quando o sol ainda não nasceu. Isto significa que em pura treva há alguém que sai da água quando me preparo para entrar. Sendo que significa também que, ao passo que eu dou um mergulho e saio, este estranho homem nada a sério. Entra no mar e dedica-se a braçadas vigorosas quando entrar no mar significa literalmente mergulhar na escuridão. Isto significa ainda que, para alguém medroso como eu, houve uns segundos ontem em que pensei que poderia estar na presença de um fantasma. Porque durante uns minutos, após ter visto este estranho homem a entrar, o perdi de vista. Foi nessa altura que pensei: "posso ter visto um fantasma." Pensei mais: "pode ser uma lenda de Santo Amaro de Oeiras: o misterioso nadador da madrugada." Para aqueles que achem estranho um cristão ponderar ter avistado um fantasma, relembro o episódio de Marcos 6 quando Jesus anda sobre o mar e os discípulos julgam-no um fantasma. Não seria eu o primeiro discípulo de Jesus a ter medo de um fantasma.
Mas, graças a Deus, não era um fantasma. Não só o estranho homem regressou do mar ao areal como consegui falar com ele. Como tinha referido há uns anos, há uma coloquialidade pronta entre pessoas que partilham hábitos incomuns. Se dois indivíduos albergam a mesma maluquice de entrar na água de madrugada, essa maluquice imediatamente se pode tornar uma comunhão oral. Essa é uma das coisas que se tem tornado uma oportunidade para mim, que apesar de tudo me sinto tímido e, por isso, não dado automaticamente a meter conversas com estranhos: uma semi-loucura assumida é um eficaz desbloqueador de conversas. Assim aconteceu. Troquei "bons dias" com o estranho senhor e ele revelou-se de uma grande simpatia. Tem uma pronúncia estrangeira e a conversa não chegou ao País dele ainda. Mas já permitiu que partilhasse a minha admiração pela ousadia deste estranho, e notável!, homem. Acabei por sair mais convicto de uma ideia geral que tenho sobre Portugal e os portugueses. Os estrangeiros têm mais facilidade em praticar aqui aquilo que os portugueses não praticam e talvez devessem. Há mar, há temperatura. Devia haver imersão no Oceano. Não é uma questão de obrigação. É uma questão de nos rendermos activamente ao prazer.


terça-feira, outubro 21, 2014

Ouvir
O que é positivo na presença de Paulo no Areópago de Atenas passa por ele apontar o que lá é negativo. Paulo não congratula o paganismo grego mas confronta-o.
O sermão de Domingo passado, o 3º da série "Uma igreja jovem sem ser juvenil, aqui (clicar em cima de aqui).

segunda-feira, outubro 20, 2014

Ser carismático como os Puritanos
Os Puritanos estavam obcecados com uma tarefa: louvar o Deus que é triuno. Não apenas louvar Deus. Mas louvá-lo demonstrando nesse louvor o facto de ele existir numa Trindade de pessoas diferentes num só mesmo Deus. O louvor prestado ao Deus cristão tem de ser necessariamente trinitário. Como é que isso se faz? Não é fácil resumir mas passa, necessariamente, por nos dedicarmos em cada gesto a reflectir que Deus é Pai, Filho e Espírito Santo.
Os Puritanos eram cristológicos. Cristo é a chave de compreensão de tudo o que existe. Ele é a revelação de Deus Pai aos seus filhos. Ora, este Cristo chama todos os pecadores. O que é que isto significa? A chamada de Cristo pelos pecadores é universal. Todos se devem arrepender. Cristo oferece-se até aos que não sentem necessidade dele. Mas isto não significa que as pessoas vêm até Cristo a partir do facto da sua chamada ser universal. Como Joel Beeke e Mark Jones explicam: "A universal calling is not sufficient to draw people to Christ, but Christ does not stop at a universal call." Cristo não faz coisas em abstracto mas em concreto.
É possível irmos até Cristo porque: (1) Cristo quer que pecadores venham até ele, e (2) porque Cristo tem poder para salvar pecadores. Uma das forças da teologia reformada tem a ver com a sua ênfase preciosa, quando fala acerca da salvação, não no que os homens conseguem mas no que Cristo consegue. Não é muito mais reconfortante confiar na qualidade do trabalho de Cristo para a nossa salvação do que na qualidade da nossa escolha por ele? Cristo consegue o que nós não, e porque o Espírito Santo entra também em acção. O que nos leva a Cristo é a intervenção do Espírito Santo usando a Palavra de Deus, a Bíblia, para colocar fé no coração dos pecadores. Um pecador ter fé é um fenómeno sobrenatural que só é possível através de uma acção sobrenatural. Não somos cristãos porque tomámos uma decisão humana. Somos cristãos porque Deus fez um milagre divino em nós. A doutrina elevada dos Puritanos era uma prática carismática. Sem o Espírito Santo não há nada para ninguém. Os Puritanos tinham do melhor carismatismo que podemos almejar.
Vamos tentar colocar isto em pão, pão, queijo, queijo. Por um lado, os Puritanos ensinavam que devemos fazer tudo ao nosso alcance para irmos até Cristo. Por outro, explicavam que mesmo que façamos tudo ao nosso alcance, nunca conseguiremos ir até Cristo. É preciso o próprio Deus para irmos até Deus. É assim que se resolve o dilema prático. "Making a decision to follow Jesus is not what makes Christ's calling effective. The motion of our wills toward Christ results from a new creation by God in our souls."
Terminemos em ritmo trinitário, como começámos. "The Father is a willing drawer, the Son is a willing Savior, and the Holy Spirit is a willing enabler." Ou seja, todas as pessoas da Trindade trabalham no trabalho expiatório de Cristo.













[Escrito a partir do capítulo "The Puritans On Coming To Christ" do calhamaço "A Puritan Theology", de Joel Beeke e Mark Jones.]

sexta-feira, outubro 17, 2014

Datas
Quem faz anos sou eu mas quem oferece também. Se forem meus amigos, vêem o teledisco. Se forem muito meus amigos, partilham-no. A Anabela Mota Ribeiro é que tinha razão quando no outro dia me chamou fiteiro em público.



Bringing back the nineties!

quinta-feira, outubro 16, 2014

Blogging-Thanksgiving Day
O dia 15 de Outubro (que foi ontem!) devia ser para os bloggers portugueses o Dia de Acção de Graças. Porque foi nesse dia que há 12 anos o Pedro Mexia, o Pedro Lomba e o João Pereira Coutinho começaram a Coluna Infame. É provável que hoje a esmagadora maioria de bloggers bem-sucedidos (i.e., gente que faz a vida de ter um blogue) não tenha ideia do que foi a Coluna Infame. Daí a importância pedagógica de assinalar a data.

quarta-feira, outubro 15, 2014

Os sarilhos onde a Igreja Católica Romana anda metida
A Igreja Católica Romana continua a mostrar-se desajeitada em questões de imprensa. Poderemos falar de uma obsessão com a sua imagem pública? Constantemente dá a ideia de querer parecer melhor do que consegue. Ou é o Papa que promete o fim do Inferno ou é o Vaticano que apressa uma abertura ao espírito dos tempos. Depois? Depois vêm as notícias, muitos menos lidos que as primeiras, que explicam que, afinal, a Igreja permanece dentro do ensino de sempre. A minha dúvida quanto a este desajeito é saber se ele é uma estratégia. Até que ponto é que Roma ganha com estes equívocos mediáticos? Até que ponto é que Roma de facto prefere uma maioria convencida superficialmente da sua alegada modernização perante uma minoria esclarecida acerca do que conserva?
Como já se está à espera, esta é a altura em que eu martelo na mesma tecla. Na tecla do costume que explica as diferenças entre os de Roma e os da Reforma. Quero-o fazer da melhor forma. Até porque ainda neste fim-de-semana que passou foi um privilégio para mim receber na minha Igreja alguns católicos romanos que partilharam experiências de fé. Quando me preparo para martelar novamente nas diferenças entre Roma e a Reforma o meu objectivo é esse: martelar nas diferenças e não propriamente martelar em Roma. Isto porque a prática romana da qual discordo assume, ainda assim, uma coerência. Quero tratá-la com dignidade na divergência.
Creio que boa parte destas confusões mediáticas tem a ver com o desejo de Roma ser a Igreja de todos. Roma entende-se a si enquanto Igreja Universal de um modo distinto como os da Reforma se entendem como Igreja Universal. A universalidade de Roma está mais no seu alcance colectivo visível que no alcance individual invisível. Por isso, e naturalmente nesta perspectiva, Roma quer ser a igreja dos que crêem mesmo, dos que não crêem assim tanto, dos que estão catequizados, dos que estão por catequizar. Para Roma é importante ligar-se com aqueles que já têm a ver com ela e com os outros porque também é isso que mostra que ela está a fazer aquilo para o qual sente que foi chamada. A ligação visível é essencial. Roma é uma Igreja que precisa de ver e apalpar. Os símbolos, os rituais, por aí fora.
Entre os cristãos de Roma e os da Reforma a experiência da salvação é vista de modos completamente diferentes. Muito resumidamente diria que para os romanos a salvação é uma consequência de fazer parte da Igreja. Daí o silêncio acerca de grandes certezas sobre a salvação pessoal. Os católicos romanos são muito reservados quanto à opinião que têm sobre a sua própria salvação porque, lá está, a salvação é sobretudo um negócio que tem a ver com a Igreja. Um católico ter grandes certezas quanto à sua salvação será tão estranho como o Ricardo Quaresma estar convencido durante o Mundial de 2014 que ainda voltaria à selecção. De facto aconteceu, mas por uma intervenção superior e inesperada. (Teologicamente isto está relacionado com a justificação pela fé sobre a qual escrevi na semana passada.)
Os da Reforma vêem a coisa completamente ao contrário a partir do que lêem nas Escrituras. A Igreja é uma consequência de serem salvos e não a causa (Cristo deixa a Igreja e não a Igreja deixa Cristo). Faz toda a diferença. A flexibilidade da Igreja Católica para mostrar resultados visíveis é completamente incompreensível para os da Reforma. Para Roma é importante aplicar princípios gradualistas se necessário (como agora ouvimos falar) se isso mostrar mais Igreja nas pessoas. Porque para Roma tem de se ver Igreja nas pessoas para poder haver salvação nelas. Para os da Reforma é inútil ver Igreja nas pessoas na medida em que não é a Igreja que os vai salvar. Para Roma é.
Roma quer abraçar quem já faz o que ela manda e quer abraçar quem ainda não faz o que ela manda porque Roma é o centro da mensagem que ela prega. A ironia é que Roma ser o centro da mensagem que ela prega não a torna mais exclusivista mas precisamente o oposto. Inesperadamente aquilo que em séculos anteriores tornava Roma exigente é o que hoje a torna elástica. Antigamente Roma tinha a fama de colocar fora dela (e portanto fora da salvação) aqueles que não se portavam bem como ela mandava. Hoje Roma pode dar-se ao luxo de colocar dentro dela até os que se portam mal. O Papa que antes excomungava um Protestante para o Inferno é o Papa que hoje mete no Céu o ateu que não quer lá estar. Daí poder-se salvar aquele que crê e aquele que não crê, desde que de algum modo se relacione com os conceitos que a Igreja considera salvíficos. O que é que Roma crê, por exemplo, acerca da minha alma? Que ela poderá ser salva pela relação que tem com Roma, ainda que institucionalmente enviesada (para Roma um protestante pode salvar-se através do catolicismo, não através de Cristo). Vou dar outro exemplo.
Como para Roma a salvação é essencialmente fazer parte da Igreja, todos os conceitos que os Protestantes têm como mais exclusivistas a partir das Escrituras podem ser reinterpretados a partir da Tradição da Igreja. Para um da Reforma a salvação atesta-se a partir da pertença a Cristo, avaliada ela das páginas da Bíblia. Para Roma não existe esse constrangimento dentro das mesmas páginas. Logo Roma tem um progressismo natural. As pessoas não se salvam pelo que a Palavra de Deus afirmou de uma vez por todas como elas se podem salvar. As pessoas salvam-se como a Igreja entende ao longo do tempo que a Palavra de Deus afirma como elas se podem salvar. Por exemplo, hoje Roma valoriza a bondade de um modo que antigamente não. O conceito de bondade é o reflexo deste princípio progressista de Roma. Quero dizer isto em boa fé aos meus companheiros romanos mas duvido que Roma hoje declarasse Pelágio como herético se ele fosse uma pessoa de razoáveis boas maneiras. O conceito de bondade é um filão para uma realidade pós-moderna em que ninguém quer ser apanhado com ares de superioridade moral. É o conceito de bondade, traduzido hoje assim e amanhã sabe-se lá como, que manterá Roma a navegar as águas niilistas com uma mestria que os da Reforma não.
Basta Roma reclamar algum tipo de propriedade sobre o conceito de bondade que o assunto difícil da salvação fica mais simples. O conceito de bondade torna-se uma nova espécie de pertença institucional a Roma. Como é que funciona? A bondade mete colectivamente dentro da Igreja até aqueles que individualmente se expulsam dela. Da mesma maneira que um católico não perde a salvação por se estar nas tintas para cumprir o catecismo, um não-católico pode salvar-se se evidenciar algum tipo dos princípios que o catecismo ensina (como por exemplo neste caso, a bondade). Nesse sentido, na Igreja Romana está sempre tudo garantido porque é Roma o próprio evangelho pregado a partir de princípios selectivos como, por exemplo, a bondade.
Os da Reforma acham tudo isto muito estranho. Porque os da Reforma não olham para a Igreja como o próprio evangelho mas como um efeito dele. Logo não faz sentido querer meter dentro da igreja quem não quer fazer parte dela. Não faz sentido querer uma consequência para forçar uma causa. O que não quer dizer que os da Reforma desprezem o amparo àqueles que ainda não se identificam com a Igreja. Mas os da Reforma estão animados por algo que, para eles, é muito melhor que fazer parte da Igreja. Cristo. Cristo é o que interessa. A Igreja follows. Cristo dá o caminho. A Igreja segue-o. Cristo primeiro. Igreja depois. Os da Reforma estranham as peripécias de Roma para caminhar em direcção às pessoas porque consideram que o caminho essencial é o da Igreja atrás de Cristo. Tudo o resto parece-nos public relations. Lá terá a sua importância. Mas é estranho. Quando chegarmos à eternidade, estão os da Reforma convencidos, quem nos dará as boas-vindas não será Pedro. Será Cristo.











Entretanto, depois de escrever isto soube que o Quaresma foi decisivo ontem. A predestinação é uma cena tramada.

terça-feira, outubro 14, 2014

Ouvir
O envolvimento com a cultura não é uma sofisticação de uns quantos cristãos com maiores pretensões intelectuais. O envolvimento com a cultura é o que mostra que amamos aqueles a quem pregamos a mensagem do amor de Deus.
O sermão de Domingo passado aqui (clicar em cima de aqui).

sexta-feira, outubro 10, 2014

It's on!


















Venham todos! Cheguem às 20h que às 20h30 começamos sem falta!

quinta-feira, outubro 09, 2014

Antevendo o Fim-de-Semana Cheio na Lapa VI
O Opus Dei tem reputação de comer criancinhas ao pequeno-almoço. O julgamento da opinião comum é um aliado ou um adversário para pessoas, como os cristãos evangélicos, que são desconhecidas do grande público? Connosco vai estar o Pedro Gil, do gabinete de imprensa do Opus Dei.













O Pedro falará na Lapa às 17h do próximo Sábado.
Antevendo o Fim-de-Semana Cheio na Lapa V
Em cada Sábado no Expresso o Henrique Raposo tem dado voz a opiniões pouco consensuais. Numa sociedade que gosta de se gabar da sua tolerância, o Henrique vai dizer-nos se pensar diferente já é crime.


















O Henrique falará na Lapa às 15h do próximo Sábado.

quarta-feira, outubro 08, 2014

Antevendo o Fim-de-Semana Cheio na Lapa IV
O Pacheco Pereira tem vindo a dizer que Portugal sofre de um fenómeno irritante de engraçadismo. O Nuno Markl vai ajudar-nos a compreender se temos ou não excesso de humoristas no País.


















O Nuno falará na Lapa às 12h do próximo Sábado.
Espernear bem calçado
Em Portugal é típico responder da forma errada à pergunta que pede pelas diferenças entre Catolicismo Romano e Cristianismo Evangélico. A tal resposta errada típica é falar das estátuas de santos que não existem nas igrejas protestantes, ou mencionar que os pastores protestantes podem casar por oposição aos padres. Afinal de contas, quando se discute acerca das casas onde moramos é fácil acabar a divagar sobre a mobília. Ora, com toda a importância que há nas questões iconográficas ou vocacionais, o que é essencial falar é a justificação pela fé. Há muitas outros assuntos que distinguem Roma da Reforma mas o crucial é a justificação pela fé.
John Owen, Puritano Inglês do Século XVII, acreditava no que a Bíblia diz, que uma pessoa se salva pela fé que tem em Cristo (e a crítica pertinente da Carta de Tiago a uma fé sem obras não rejeita que nos salvamos pela fé, rejeita sim que é impossível salvarmo-nos pela fé sem que obras aconteçam como consequência). A doutrina da justificação pela fé tem a ver com esse precioso esclarecimento - não somos salvos pelo que fazemos por Cristo mas somos salvos pelo que Cristo faz por nós. E há muita coisa que acontece quando somos salvos pela fé em Cristo.
Ao usarmos o termo justificação não o podemos fazer sem pegar no seu sentido jurídico. Ou seja, a palavra justificação pede também uma interpretação forense - aquele que é justificado foi colocado sob uma acusação perante a qual deve provar a sua inocência. A salvação é a inocência que uma pessoa culpada pode ter. Como? Unicamente através de Cristo. Ao ser também assunto de tribunal, a salvação de uma pessoa não se limita à monotonia de um processo legal. Essa é a acusação que muitas vezes é feita aos protestantes, a de tornarem a justificação pela fé apenas a resolução de uma papelada burocrática despachada por um juiz brando. É um disparate. Por que razão os protestantes devem teimar no uso da linguagem jurídica para falar da sua salvação? Precisamente para enfatizarem a liberdade que um criminoso sente perante uma amnistia. A justificação pela fé é o que dá aos da Reforma um coração vivo e grato a quem os livrou de uma pena merecida. A justificação pela fé é o que faz os evangélicos espernearem de amor por Cristo.
O Catolicismo Romano sugere uma justificação pela fé completamente diferente. Como que em dois passos. O primeiro, em que através de uma infusão de graça no baptismo (geralmente infantil) operado infalivelmente (ex opere operato), a pessoa tem o seu pecado original extinto e expulsos os hábitos do pecado. O segundo, consequência do primeiro, em que através das boas obras a pessoa é exercitada nesse hábito novo infundido pela graça no baptismo. Para Roma a salvação é mais uma coisa que nós vamos continuando a fazer (através das boas obras) depois de ter sido feita em nós (através do baptismo). Por isso os católicos romanos são tão sossegados a falar sobre salvação. Como ela pede tanta coisas deles, é mais humilde não ter grandes certezas acerca dela tendo em conta os pecados que vamos praticando. Essa é a razão pela qual a santidade tem para o Catolicismo Romano um foco negativo: a pessoa é mais santa o quão menos pecados comete (e daí a imagem popular do santo como aquele que se corta aos grandes divertimentos do mundo).
A justificação pela fé é a doutrina que dá aos evangélicos a sua exuberância. Um evangélico não sabe estar calado por causa dos efeitos da doutrina da justificação pela fé. Como para um evangélico o que o salva não depende do que ele vai fazer por Cristo mas o que Cristo já fez por ele, venha daí esse microfone! O evangélico só sabe falar da fé porque sente que não tem nada a provar a ninguém. Um católico romano pensa: "é melhor estar calado porque os meus pecados estão à vista e sei lá eu se no meio desta confusão me salvo mesmo." Um evangélico pensa: "nem que eu vivesse a vida mais impecável me salvaria tendo em conta os meus pecados mas, graças a Deus, Cristo já pagou tudo o que havia para pagar." A ausência da doutrina da justificação pela fé é o que dá ao romano o sossego, o ritual e a ideia que fé que é fé é vivida em grande interioridade. A presença da doutrina da justificação pela fé é o que dá ao reformado o alarido.
A justificação pela fé relaciona-se de muito perto com outra doutrina, a da imputação de Cristo. Diz o livro "A Puritan Theology": "A man is declared righteous as soon as he puts his faith in Christ. (...) By believing with justifying faith, christians become 'sons of God' and have a right to all the benefits of His mediation, which leaves any other justification unnecessary." Como através da fé temos acesso à qualidade de Cristo, já não há qualquer qualidade humana da qual dependa a nossa salvação. É nesse sentido que um protestante vê a ênfase nas boas obras para a salvação como um homem vestido de smoking e calçado de crocs. As nossas boas obras são o que acontece pela salvação ter o selo de qualidade de Cristo. Mas isso não significa que o selo de qualidade de Cristo dependa das nossas boas obras. A audácia!
A imputação de Cristo é o que permite que, pela negativa, os nossos pecados tenham sido transferidos para ele. Por isso ele tem a capacidade de tratar deles por nós (capacidade que nós nunca teríamos). Pela positiva, a imputação de Cristo é o que permite que a perfeição de Cristo seja transferida para nós. Por isso, enquanto pecadores, podemos ser justificados diante de um Deus que não suporta o pecado. "Justification means more than the forgiveness of sins. (...) Imputation includes not only that Christ's righteousness is imputed to believers, but also the sins of believers are imputed to Christ. The foundation of imputation is the union between Christ and His Church. For Owen this means that Christ and His Church coalesce into one mystical person thorugh the uniting efficacy of the Holy Spirit."

[Escrito a partir do capítulo sobre John Owen e a justificação pela fé do calhamaço "A Puritan Theology" de Joel Beeke e Mark Jones.]


















My main man, Johnny O!

terça-feira, outubro 07, 2014

Antevendo o Fim-de-Semana Cheio na Lapa III
Conhecemos a Anabela Mota Ribeiro da imprensa escrita e televisiva. É uma conversadora rara em Portugal e, por isso, uma voz autorizada para nos dizer como preservar a arte de nos ouvirmos uns aos outros.













A Anabela falará na Lapa às 10h30 do próximo Sábado.
O pavor de crescer
Neste Domingo passado preguei acerca de sermos uma igreja jovem sem ser juvenil. E senti-me naquelas caminhadas em que tropeçamos naquilo que nos parece uma pedrinha mas, quando nos levantamos, percebemos que esbarrámos num penedo. O assunto da juventude tem muito para dizer às igrejas porque tem muito para dizer à nossa cultura ocidental num todo. Assim rapidamente, vou reciclar uma boa parte da reflexão do sermão para tentar ilustrar esta minha nova preocupação com a nossa obsessão pela juventude.
Há uns tempos vi um documentário chamado "Teenage" do realizador Matt Wolf. Apesar de o ter achado desequilibrado, com uma primeira parte pujante e depois a escoar-se para um sentimentalismo sociológico desinteressante, vi nele coisas muito pertinentes e que nos podem ajudar quando pensamos acerca de juventude. O documentário "Teenage" ajuda-nos a perceber como a cultura juvenil é um resultado do Século XX. Assim muito rapidamente a tese é: o início do Século XX transforma com maior velocidade crianças em adultos. Porquê? Primeiro, porque a revolução industrial pede mais mãos nas fábricas novas, incluíndo as dos miúdos. Segundo, porque as guerras são grandes e são precisos mais dedos a premir gatilhos, incluíndo os dos miúdos. E terceiro, porque na relação dos dois fenómenos anteriores, as crianças acabam por adquirir um estado intermédio, até à altura desconhecido: o da adolescência (no inglês, os teenage years). É uma espécie de grito do ipiranga infantil.
A seguir às fábricas e às trincheiras, e com um mundo supostamente mais tecnológico e tranquilo, as crianças puderam descobrir uma nova idade que não significava entrada imediata na idade adulta – a adolescência. Num certo sentido, é aí que nasce a juventude como hoje ainda a conhecemos. Num primeiro momento, o Século XX acelerou a transformação de pequenos em grandes. Num segundo momento, abrandou. Mesmo que o nosso mundo já não seja propriamente o mundo do início do Século XX, a juventude ainda segue nos carris que nessa altura para ela construiram.
Mas há evoluções no processo desde lá para cá. A juventude como hoje a conhecemos pode ser simplificada como uma recusa implícita do seu carácter transitório. Há cem anos, apesar de tudo, as coisas ainda eram diferentes. Ser jovem hoje deixou de ser uma coisa que nos leva a outro lugar. Hoje não se é jovem para depois ser adulto. Hoje ser jovem não é um processo, tornou-se o produto final. A maturidade é um conceito em grande parte rejeitado pela nossa cultura. Essa é a razão pela qual hoje somos adultos em busca da juventude eterna, por oposição ao resto da História em que a juventude era breve para que a maioridade fosse atingida o mais rápido possível. Podemos dizer que um conceito de juventude muito popular corre o risco de matar a maturidade.
Façamos uma paragem para um exemplo prático. Alguns dos modelos de juventude que ainda prevalecem no meio evangélico, creio, herdam mais destes factos do Século XX do que das Escrituras. A ideia da departamentalização em idades dentro das igrejas mostra esta realidade da sociedade pós-industrial. Claro que na Bíblia encontramos facilmente a diferença entre a infância e a idade adulta. Mas o modo como a juventude se interpôs entre uma e a outra talvez ofereça problemas para uma harmonia bíblica.
De um modo geral, a sociedade pré-industrial empurrava as crianças para abraçarem a maturidade. Por isso não havia a concepção da adolescência, como ela é aceite hoje. Ao contrário da norma actual, parte do processo de crescimento era, a partir de determinada altura, o jovenzinho dever passar tempo com pessoas mais maduras, como prova da sua própria maturidade iminente. O que a adolescência, enquanto categoria de crescimento, veio trazer foi também uma desaceleração do processo habitual de crescimento. Os adolescentes ganham algum tempo até que se tornem mesmo adultos e investem a maior parte desse tempo uns com os outros. É isto que traduz um conceito hoje popular e raramente questionado dos jovens passarem a maior parte do seu tempo com outros jovens. Para as culturas pré-industriais isto seria estranhíssimo.
Os grupos de jovens nas igrejas aconteceram lado a lado com os grupos de jovens fora delas. Essa era a tendência da época. Desde as juventudes organizadas por razões ideológicas (dos sistemas democráticos aos sistemas totalitários) às juventudes organizadas por razões lúdicas (das práticas desportivas aos interesses intelectuais). A sociedade passou a ver como normal que ser jovem era a suprema categoria identitária. Como se dissesse, o que fazes com a tua juventude é secundário - o essencial é organizares a tua vida a partir do facto de seres jovem. Não é por isso de estranhar que a primeira sociedade a abraçar este conceito de juventude se torne aquela com mais dificuldade em querer largá-lo.
Permitam-me um comentário pessoal. Ainda hoje isso se verifica em muitas igrejas evangélicas. Os grupos de jovens, ou ainda sobrevivem com um quadro exigente de actividades, ou pairam como um fantasma numa casa abandonada em que a juventude se foi. E aproveito e partilho parte da minha experiência. Para aqueles que viveram intensamente uma juventude empenhada na igreja, sabemos o quão doloroso foi sobreviver nela quando deixámos de ter nesse ciclo de vida a razão principal da nossa presença. Para muitos de nós, casados há pouco tempo, pais há pouco tempo, sentimo-nos numa estaca zero em que criar laços com a igreja é como viajar numa floresta virgem. Agora que a juventude solteira terminou, com toda a sua navegação hiper-sinalizada através de actividades e sintonias partilhadas, não sabemos bem como ter comunhão com a igreja à qual pertencemos. Porque deixámos de estar na igreja primariamente enquanto jovens. E não sabemos assim tão bem como se vive na igreja enquanto adultos. Porque, de um modo geral, a sociedade passou a ter medo desse estado de ser adulto.
Não quero aplicar esta reflexão à bruta. Mas creio sinceramente que grande parte dos nossos problemas passa por aqui: não queremos crescer e somos ensinados a não querermos crescer. Nas igrejas, nas escolas, you name it. Por isso somos pais mais ansiosos, oscilando entre demasiada informação e pouco discernimento. E não deixa de ser reveladora esta moda com o que é velho. Agora queremos ser tradicionais à força na esperança que uma barba à Século XIX transfira miraculosamente para o nosso rosto aquilo que rejeitámos para os nossos cérebros (and I've been there, no que a tentativa de barbas à Século XIX diz respeito). A série continuará na Lapa durante o mês de Outubro.

segunda-feira, outubro 06, 2014

Antevendo o Fim-de-Semana Cheio na Lapa II
A Adelaide e o Tracy estão prestes a publicar "Mulheres Guerreiras". Neste livro contam histórias reais acerca de como a doença não tem de ter a palavra final na vida de mulheres com cancro na mama.



















A Adelaide e o Tracy falarão na Lapa às 9h30 do próximo Sábado. Cheguem um pouco antes.

Ouvir
Não queremos que a nossa autoridade espiritual dependa de sermos jovens. Essa é uma tentação de uma época que não quer crescer. Mas queremos que a nossa autoridade espiritual não seja beliscada pela nossa juventude. O jota principal da nossa juventude é o de Jesus.
O sermão de ontem, o primeiro do tema "Uma igreja jovem sem ser juvenil", aqui (clicar em cima de aqui).

sexta-feira, outubro 03, 2014

Ser do contra é ser mais claro

[Este texto sobre a Caminhada de amanhã está no P1 da Renascença.]

É natural que a caminhada de amanhã seja pela vida. É recomendável até que a mensagem seja a favor de alguma coisa. Causas pela negativa tendem a ter pernas curtas. Num primeiro momento juntam muitas pessoas (é fácil ser do contra), mas num segundo revelam-se fracas para continuar a unir aqueles que se juntaram (é fácil ser do contra contra quem é do contra). Quando o assunto é o aborto creio, todavia, que compensa não esconder as minhas convicções que se fazem pela negativa. Para isto fui ajudado por um amigo, o Filipe Costa Almeida. Ele ajudou-me a entender que ser a favor da vida pode ser demasiado pouco para uma cultura com muita facilidade em relativizar. Não podemos esquecer que não é difícil ser a favor do aborto a partir de argumentos tão hiper-maleáveis como a qualidade de vida. Daí que ser do contra nestas matérias me pareça intelectualmente mais claro.
Fui do contra quando em 1998 se fez o referendo sobre a despenalização do aborto. Na altura, era um estudante universitário. Andava na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Se a ideologia servisse de baliza para o Ensino Superior a Nova era o poste esquerdo. Como sobrevive na FCSH um estudante que é contra o aborto? Na clandestinidade ou na frente. Não posso propriamente dizer que o meu exemplo tenha tido o heroísmo de um desembarque na Normandia. Mas ao mesmo tempo não posso negar que, para alguém de instinto pouco corajoso como eu, ter-me levantado da assistência de um colóquio dado pela Odete Santos para discordar de um auditório esmagadoramente pró-aborto foi certamente uma experiência a não esquecer. Hoje, ser contra o aborto é necessariamente estar pronto para estar sozinho em muitas multidões. Não pelo prazer de ser a excepção. Mas pela clareza de transmitir que há maiorias que pensam assim e nós pensamos assado.
Tenho sido do contra em muitas outras discussões depois de 1998. Não é fácil ser contra a multidão, mas é mais difícil ainda ser contra um apenas que amamos. Mal por mal, com a derrota no referendo, parece que perdiam a pertinência essas discussões difíceis com pessoas importantes para nós e que não defendem a nossa posição. O que aconteceu comigo até há mais ou menos um ano é que me sentia meio aliviado. Mas ter ficado de consciência tranquila por ter votado contra o aborto em 1998 e 2007 não me estava a livrar de uma consciência perturbada por esse estranho alívio. O povo ter votado estava a votar-me a uma confortável resignação. Receio que não seja o único a sentir-se assim. Entretanto cheguei à conclusão que, mais do que nunca até agora, era imperativo não largar o assunto. Ser do contra mesmo quando ser do contra parece que não leva a lugar nenhum. Às vezes é quando se é do contra, quando ser do contra parece que não leva a lugar nenhum, que realmente vamos a algum lugar. Hoje ir a uma caminhada contra o aborto parece-me muito mais necessário do que quando a lei era outra.
Quando sei aquilo contra qual estou provavelmente torno-me mais pronto a ajudar. Escrevo isto enquanto Pastor. Sei o que é ter de afirmar a maldade do aborto a alguém que já o fez. E reconheço que muitas vezes as pessoas de fé, na pressa de mostrarem aquilo em que crêem, não são cuidadosas. Ser contra o aborto não é ser contra as pessoas que o fizeram. Mas é explicar-lhes que elas não foram as únicas envolvidas nele. As vidas destruídas antes do nascimento exigem-nos uma coragem de clareza moral bem como uma oportunidade para o perdão. Haverá quem perante a palavra perdão me possa acusar de condescendência e arrogância. Mas creio que o que a palavra perdão nos permite é revelarmo-nos como seres humanos que reconhecem valores superiores a nós mesmos. Quando acredito na diferença entre fazer uma coisa boa e fazer uma coisa má, não me coloco acima dos outros.Coloco-me debaixo de valores mais altos que eu.
Ser contra o aborto agora é ter de conviver com a acusação de querer voltar atrás no tempo. Mas não estou assim tão convencido que o futuro é favorável ao aborto. Penso que boa parte do direito ao aborto foi mais ganho no terreno da indiferença que no do princípio. A pergunta há uns anos era: quem sou eu para achar que alguém deve ser culpado criminalmente pelo aborto? Foi neste ambiente emocional que os países mudaram as suas leis quanto ao assunto, não necessariamente numa transição ideológica assumida. Creio que há menos liberais autênticos do que julgamos. O nosso liberalismo moral é sobretudo querermos estar livres de discussões exigentes. E esta é também uma razão pela qual ainda acredito na luta contra o aborto. Chamem-me ingénuo mas estou convicto que grande parte das pessoas que são a seu favor nunca pensou profundamente no assunto. Quero contribuir para que mudem a sua posição.
Sou cristão e os cristãos foram do contra. Por serem do contra viraram-se contra o aborto quando o aborto era uma notícia velha. Desde que o mundo é mundo que se aborta. Aliás, desde que o mundo é mundo que o princípio do aborto se aplicava sem complexos depois do nascimento. O infanticídio ou simples abandono de crianças eram práticas comuns do paganismo. Foram esquecidas sobretudo por causa da mudança que o cristianismo trouxe. O cristianismo arrasou com a lógica utilitária das pessoas fazerem o que querem de acordo com o que querem. Porque a partir do momento que se crê que Deus não só existe como se fez em homem em Jesus, os homens que o seguem querem ser homens de acordo com o homem-Deus Jesus. Os modelos humanos passam a ser um resultado dos modelos divinos. A transcendência não é uma desculpa para a abstracção. A transcendência passa a ser a referência mais credível para o que é deste mundo. O que é possível fazer deixa de ser o que conseguimos mas passa a ser o que Cristo conseguiu.
Os cristãos, por serem do contra, não se resignaram com o que era comum. Começaram a ir aos arredores das cidades e a resgatar crianças abandonadas, deficientes, e a cuidarem fisicamente de todos os que pudessem. A solidariedade dos cristãos não foi uma fagulha que se acendeu porque, bem lá no fundinho, somos todos pessoas com um grão de bondade. Não. Os cristãos passaram a ter um comportamento que contrastava com os hábitos pagãos porque Cristo teve esse comportamento. Os cristãos não mudaram o mundo por quererem ser criativos ou diferentes. Os cristãos mudaram o mundo por quererem imitar Cristo. Dizia que o aborto é notícia velha. E é uma notícia velha porque pertence a um mundo velho. Não é pelo facto de muitos hábitos pagãos aparecerem recauchutados que eles representam progresso. Os cristãos são contra o aborto porque pertencem a um mundo que consideram novo. Não é estranho que tantos, ao caminharem contra o aborto, pareçam caminhar por um mundo retrógrado? É. É estranho e mentiroso. Porque de facto caminhar contra o aborto é mais do que insistir no valor da vida. É insistir no valor da novidade.

quinta-feira, outubro 02, 2014

Amanhã e depois de amanhã








Apresentação do "Felizes Para Sempre e outros Equívocos Acerca do Casamento" em Viseu (Igreja Baptista de Viseu, 21h - entrada livre).



















Apresentação do "Felizes Para Sempre e outros Equívocos Acerca do Casamento" no Porto (Igreja Metodista do Mirante, 17h30 - entrada livre).